quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Constipação

Vou começar roubando descaradamente algumas palavras de rodrigueta:

“...Temos tantas idéias plantadas, tantas necessidades alheias... o que é realmente seu?
O jeito de vestir? O que gosta de comer? O hábito de ler? de beber?..... vai saber... quem sabe tudo isso não foi plantado em algum momento da sua infância, ou adolescência...”

Pois é...
Até tentaram plantar um hábito em minha adolescência.
Hábito de leitura!
E eu detestava ler!
Hoje em dia até que tento ler um pouquinho mais, sobretudo textos da área acadêmica.
Leios alguns romances ou ficções que me agradam de vez em quando.
Tento me esforçar em ler alguns pensadores, mas minha área de humanas é preguiçosamente péssima. Até compro uns livros de bolso para ler de passatempo mas nunca passo muito tempo com eles.
Era muito chato ter que ficar lendo aqueles livros de colégio.
Que sofrimento ter que interpretar aqueles textos de Drummond de Andrade
Ou qualquer outro autor que não me dizia bulhufas.
Um moleque que entrava na sala com o uniforme encharcado,
fedido, encardido depois do intervalo.
Eu queria era jogar bola!
Estudava mesmo porque....nem sei o porquê...mas fazia minhas obrigações.
E passava na terceira unidade.
Ah lembrei! Eu estudava porque meus pais diziam que eu tinha que estudar pra eu ser alguém na vida.
Mas isso não vem ao caso agora...
Acho que interpretar poesia...é inútil!
Na minha opinião, um autor, um livro, um texto, uma poesia não deve ser interpretada...
Ela deve te tocar! O autor sim, interpreta o mundo à sua maneira.
Acredito que Drummond escrevia e tocava na mente e no coração daquela gente contemporânea a ele.
O cara é um mito, e sua obra é clássica, jamais morrerá e continuará tocando corações por todo o sempre nas mais diversas circunstâncias!
Mas certamente ela tocaria mais fortemente os corações de quem viveu na época da Segunda Guerra Mundial do que de um fedelho, que fazia um esforço extra-absurdamente sobrenatural, praticamente furando a página do livro, com olhar quase que de raio laser, tentando, em vão, extrair a mensagem escondida nas entrelinhas.
Meu universo não era aquele. Simples assim!
E eu não sabia e nem tinha interesse de entrar no universo dele!
Só sei que depois de tantos anos, depois de tantas tentativas frustradas no colégio
Fui fazer algo tão trivial quanto sentar no vaso e fazer o número 2.
Tenho o costume, herdado de um tio, de levar sempre algum livro, ou algo pra ler no banheiro. Quando não tem nada, eu leio rótulo de shampoo. Quem quiser saber o que é metil, etil e propil parabeno pode me perguntar.
Mas sim...voltando...tomei a coragem de pegar um livro de Drummond chamado A rosa do povo.
Abri numa página aleatória e, como se ele quisesse me ensinar uma lição, me fiz de aluno: sentei na privada e li. O título da poesia era “Procura da poesia”. Dizia mais ou menos assim:


“Não faças poesia com o corpo
[...] tão infenso à efusão lírica
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia
[...] A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto
Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir
Não recomponhas tua sepultada e merencória infância
Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação
Que se dissipou não era poesia
Que se partiu cristal não era
Penetra surdamente no reino das palavras
Lá estão os poemas que esperam ser escritos
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam
Espera que cada um se realize e consume
Com seu poder de palavra
E seu poder de silêncio
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço
[...]

Não sei bem o porquê, mas o texto entrou na minha cabeça e parecia que estava se reverberando, ressonando dentro de mim.

Depois dessa leitura, acho que entendi a essência da lição.
Terminei a sessão, embora mais leve e renovado, tendo diagnosticado minha poética constipação.

6 comentários:

Chan. disse...

Viver é interpretar, é transformar o argumento externo em nosso próprio, tornar o alheio em nós.

Pra quem não gostava de ler, esse escritor tem uma fonte surpreendentemente inesgotável!

Rodrigo Feitosa disse...

hahahaha Adorei a relação entre suas constipações!

Drumond é realmente fantástico, e embora minha ignorância me impeça de citar outros textos dele, tenho que dizer que o admiro muito.

Realmente não adianta forçar, espremer que as palavras não vem. Não cabem no texto. Não se pode obrigar uma idéia a se formar.

A coisa flui, ou não.


e é extremamente prazeroso quando flui. Pois não é necessário buscar palavras, nem expressões. Nasce pronto, tudo se encaixa.

"Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam
Espera que cada um se realize e consume
Com seu poder de palavra
E seu poder de silêncio"

Perfeito

Felipe Miranda disse...

Esse livro é da época das listas de material escolar que nossos pais compravam no início de cada ano.
É da época que nossos pais tinham dentes de leite...e olhe lá!
E estava aqui na prateleira tão novinho e atual quanto a revista da semana que vem.

Felipe Miranda disse...

Só um adendo, exceto a poética não tenho outras constipações!

Sabe o que é engraçado, certa vez tive um momento de "paixonite" e me bateu uma caganeira danada!

Ju Marques disse...

Viver a poesia, em si.. para que ela se desprenda do limbo!
O limbo das idéias, poesia em estado de dicionário.

A lição vinda do mestre parece tão clara e reconfortante! Linda!

E viva os momentos de ócio e numero 2! :P

Rodrigo Feitosa disse...

O ócio é transformado em ócio criativo.

Já o número 2 é no máximo....aliviativo hahahahaha

Abraços